Ler Ferreira de Castro 40 Anos Depois

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11.6.08

o público estruturado por configurações sociais

A obra Sociologia dos Públicos , de Jean-Pierre Esquenazi (1), aborda várias questões que permitem uma maior compreensão dos públicos, ao salientar alguns dos seus modos de recepção, percepção, estruturação e configuração. O capítulo quinto evidência alguns modos de percepção dos públicos consoante a sua estruturação cultural. Esta observação tem como base os pressupostos de Bourdieu e a sua teoria de Distinção (2) social com base nos valores estéticos e no modo como estes são perpetuados em cada grupo social:
“[Taste] functions as a sort of social orientation, a ‘sense of one’s place’, guiding the occupants of a given…social space towards the social positions adjusted to their properties, and towards the practices or goods which befit the occupants of that position” (Bourdieu 466)
Nesse sentido, o autor evidencia dois traços de divisão cultural dos públicos: o nacional e o feminino. No primeiro caso, salienta a percepção do filme A Cor Púrpura (3) e o modo como os públicos francês e húngaro recepcionam obras literárias.
No entanto, o autor detém maior atenção nas apreciações do público feminino, nomeadamente no que diz respeito ao produto televisivo das novelas, e os valores veiculados por este produto.
Analisando o papel das personagens femininas nas novelas americanas, observa-se que estas se baseiam num ideal de figura materna (4) . Apesar das novelas apresentarem uma verosimilhança com os vários papéis sociais femininos, estes correspondem a padrões culturais da década de 80, veiculados pelas novelas Dallas e Dinastia, que mostravam sagas familiares de grupos sociais de elevados recursos financeiros.
Mas será que duas décadas depois o papel da mulher nas produções televisivas é o mesmo? Não. A mulher deixou de ter o papel principal somente nas novelas e passou igualmente a ser protagonista de várias séries. Um factor preponderante nesta mudança foi desempenhado pela série O Sexo e A Cidade (5). Daí para cá as mulheres têm protagonizado séries como: Weeds – Erva; Anatomia de Grey; Bonés; Irmãos & Irmãs; Men in Trees – O Amor no Alasca; Entre Vidas; Terminator – The Sarah Connor Chronicles (6). Nestas séries, as protagonistas são mulheres trabalhadoras economicamente independentes e que assumem a resolução dos seus problemas, sejam em que sector da sua vida.
Ao recolher esta informação é curioso observar os canais em que são transmitidas e os respectivos horários, quando em comparação com séries com protagonistas masculinos.
Assim, as séries com protagonistas femininos são exibidas sobretudo diariamente às 22h40, na RTP2, e nos fins-de-semana no período da tarde. Já as séries com protagonistas masculinos, como A Lei do Mais Forte, A Vedeta, House são exibidas em horários mais tardios, depois das 24 horas, com excepção de Lost e Prision Break, cuja exibição decorre aos fins-de-semana à tarde, pela RTP1.
Deste modo, podemos observar como os papéis sociais femininos se alteraram, bem como a sua veiculação mediática. As representações femininas já não se restringem somente aos seus papéis no seio familiar, mostram também a sua influência e capacidade nos mais variados meios profissionais.

(1) ESQUENAZI, Jean-Pierre : O Público Estruturado por configurações culturais : In Sociologia dos Públicos. Porto : Porto Editora, 2006. p. 61-71.
(2) BOURDIEU, Pierre : Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste : Harvard University Press, 1984.
(3) Filme de 1985, realizado por Steven Spielberg, baseado na obra literária homónima de Alice Walker. Esta obra tem como protagonista uma mulher negra residente num estado sulista dos Estados Unidos da América que ao longo da trama se confronta com demonstrações de racismo por parte da cultura branca, bem como com os valores patriarcais da cultura negra. (http://en.wikipedia.org/wiki/Alice_Walker, consultado a 12/06/2008)
(4) ESQUINAZI, Jean-Pierre : idem. p. 68.
(5) Estreada em 1998, a série da HBO teve seis temporadas e presentemente está em cartaz a nível mundial o filme homónimo que continua as peripécias das quatro protagonistas, que representam várias formas de encarar a vida profissional, amorosa e familiar da mulher citadina (www.imdb.com, consultado a 12/06/2006)
(6) Títulos recolhidos das grelhas de programação dos quatro canais generalistas nacionais, durante o mês de Maio.

2 comentários:

  1. olá! Aí está uma coisa que nunca me tinha apercebido, mas fácil de entender. A Mulher, ao longo destas últimas décadas, tem se livrado da figura de dona de casa e cada vez mais aparece como uma Mulher independente, com vida própria, carreira e estratificação social, e não como antigamente, que só vivia para a casa e família, sendo uma figura secundária nas acções.
    Ainda bem que assim é, as Mulheres são "seres" fabulosos, inteligentes e de uma sensibilidade e subtilidade fabulosa, merecem bem a posição que têm alcançado de igualdade perante os Homens, ou talvez mais.
    Beijo
    Pipas

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  2. Gostei do post, pois enunciaste aspectos bastante interessantes, acerca dos quais ainda não me tinha apercebido.
    De facto nota-se cada vez mais nas séries um maior protagonismo das personagens femininas. É bom sinal, pois demonstra uma substancial mudança de mentalidades da parte dos Média.

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