Ler Ferreira de Castro 40 Anos Depois

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10.4.08

O Gosto - Uma Reflexão

Só gosto de ti

Porquê, não sei

Mas estou bem assim

Heróis do Mar

Duas das noções mais próximas à de gosto são a de prazer e de irracionalidade. Tem-se uma reacção agradável, seja de carácter afectivo ou sensorial, por algo ou alguém, mas raras vezes se consegue perceber e expressar porquê. E também não se procura saber, receando que a racionalização do gosto anule o prazer simples e imediato da fruição.

Sendo o elemento gosto tão relevante na apreciação de bens culturais é fácil perceber como se pode entrar em contradição, uma vez que a análise de um bem pressupõe um juízo crítico justificado e o gosto, à partida, o exclui. Poder-se-á simultaneamente gostar e efectuar um juízo crítico válido? Essa é talvez o grande dilema que norteia qualquer criação cultural, o jogar num campo que impreterivelmente provoca reacções irracionais, mas que obriga a uma racionalização, quando o objectivo é uma difusão colectiva de um bem.

A definição de um gosto pessoal é um juízo que usualmente se exprime através dos adjectivos bom e mau, que sem a respectiva justificação, são termos tão relativos que pouco ou nada dizem sobre o bem cultural, uma vez que o bom para uma pessoa pode ser mau para outra. Bom e mau são assim conceitos extremamente dúbios. O conceito de bom, na sua acepção clássica, faz parte de uma trindade que tem por vértices as noções de beleza e verdade. Daí que a aplicação do adjectivo bom nos direccione imediatamente para a noção estética de belo e se o belo é verdadeiro, logo ascende a uma posição quase dogmática de verdade inquestionável. Daí a pouco comum necessidade de se justificar o gosto. Gosta-se porque é bom, logo belo, logo verdadeiro.

Esta trindade aplica-se não só ao gosto pessoal como ao gosto colectivo, patente no usual senso-comum. Tudo o que foge ao senso comum, ou seja, ao conjunto de juízos ou opiniões comummente aceites em determinado espaço, é facilmente rotulado de mau, logo rejeitado. É exactamente através do esforço de racionalização, sem perder de vista a capacidade de fruição, que se pode legitimar o esforço de criação artística, que na sua busca de novas perspectivas e fronteiras colide por vezes com noções tão quotidianas como bom, beleza e verdade.

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